Ser feliz não é uma utopia: reflexões sobre a felicidade

É possível ser feliz? O dinheiro traz ou não traz felicidade? O que é verdadeiramente importante em relação à felicidade? O psicólogo Marcelo Ceberio responde a essas e outras perguntas e nos convida a refletir sobre esse estado que todos nós desejamos alcançar.
Ser feliz não é uma utopia: reflexões sobre a felicidade
Marcelo R. Ceberio

Escrito e verificado por o psicólogo Marcelo R. Ceberio.

Última atualização: 23 agosto, 2022

Todos temos direito à felicidade, mas nem todos nós sabemos o que ela é, em que consiste e para que serve. As reflexões sobre a felicidade nos mostram que este é um conceito absolutamente pessoal e subjetivo; portanto, cada ser humano vai definir o que é ser feliz para si.

A seguir, vamos refletir sobre esse tema, no qual com uma certa frequência os bens materiais são confundidos com os bens ostentáveis. Também vamos pensar no tempo que gastamos para produzir dinheiro para ganhar tempo, assim como no mito da fama e do dinheiro que trazem felicidade e que, às vezes, levam a um final catastrófico.

Reflexões importantes: o dinheiro traz ou não traz felicidade?

A conceituação sobre a felicidade foi alterada de acordo com fatores socioculturais, ciclos evolutivos, perspectivas teóricas, áreas da ciência, etc. Todas tentaram apresentar uma definição que pudesse explicar e fazer as pessoas entenderem o que é ser feliz, desde a filosofia chinesa e greco-romana até etólogos, neurocientistas e psicólogos, como Darwin, Ekman, Friesen, Maslow, Freud, Seligman, entre outros.

Talvez uma conclusão seja a de que é difícil proporcionar uma definição geral para a felicidade – assim como para outros conceitos abstratos como o amor, a lealdade, a honestidade, a generosidade e outros do mesmo tipo -, já que cada pessoa elabora sua própria definição com base em parâmetros absolutamente subjetivos e pessoais. 

A felicidade de uma mulher

A origem do termo felicidade deriva do latim felicitas que pode ser traduzido como ‘fértil’. O conceito não deixa de ser correto, pois, quando uma pessoa relê e analisa as diferentes definições de felicidade, ele está presente em todas elas. Isso porque fertilidade envolve desenvolvimento, projeto, crescimento, iniciativa, progresso, significados que se relacionam com o ‘estar feliz’.

A felicidade pode ser entendida como um estado mental no qual o ser humano se sente satisfeito, contente e alegre. A felicidade está associada com o prazer, mas também com a sensação de ser feliz:

  • Está ligada a fatores biológicos neuroendócrinos.
  • Envolve o sistema límbico no cérebro.
  • Vincula-se a fatores emocionais, pois a felicidade é claramente um sentimento que, em partes, se baseia na alegria (uma das seis emoções básicas darwinianas).
  • Envolve fatores cognitivos: nos leva a pensar de uma maneira positiva, enfraquecendo pensamentos negativos e automáticos e fatores sociológicos.

Por outro lado, somos férteis no que realizamos: quando nos sentimos fortes no processo de alcançar objetivos e quando conseguimos atingir uma meta, nós nos sentimos felizes. Isso quer dizer que a fertilidade nos leva à felicidade. Nesse sentido, a felicidade também tem a ver com o fortalecimento da autoestima e da avaliação pessoal.

Resultados de estudos científicos

De acordo com o ditado popular, dinheiro não traz felicidade. Essa questão também foi cientificamente comprovada. Os especialistas garantem que existe um limite de dinheiro, por exemplo, o salário mensal, que quando ultrapassado, pode conduzir a uma depressão. Como isso pode ser explicado?

A felicidade já é estudada há mais de 10 anos no âmbito científico. De fato, existem pós-graduações de neurofelicidade e rankings mundiais de países com base em uma série de padrões que avaliam qual sociedade é mais feliz.

Naturalmente, o estado de felicidade implica a conexão de certos neurotransmissores e neuro-hormônios benfeitores, como a serotonina – a substância da calma, da tranquilidade e das sensações de bem-estar – (vamos pensar que seu déficit é encontrado em pacientes depressivos), as endorfinas, nossas morfinas internas (liberadas no esporte, no ato sexual, nas risadas), a dopamina que, entre tantos benefícios, possui a motivação e a recompensa, e por fim a oxitocina – a molécula do amor – liberada em situações de amor paterno ou materno filial, no abraço, no parto.

Nas escalas de felicidade, que consistem em protocolos com diferentes variáveis, foi detectado o seguinte:

  • Nos países com graves e médios problemas econômicos, e com níveis significativos de pobreza, o valor do dinheiro é relevante para a felicidade.
  • Em países onde a renda per capita está garantida, o nível econômico não se mostra relevante, ou seja, não é uma das variáveis que garantem a felicidade.

Um salário digno dos países de primeiro mundo proporciona moradia, alimentação, educação, diversão e férias e uma organização que sustenta esse plano. Exceder essa receita parece ser diretamente proporcional às obrigações para ganhá-la (maior tempo destinado ao trabalho, mais impostos, mudança de imóveis, aquisição de bens materiais não necessários, etc.) e, com isso, menos tempo para aproveitar. Não é apenas a depressão que pode ser um dos resultados, mas também o estresse, o vício em substâncias, o uso de psicofármacos, etc.

Ganhar mais dinheiro também gera mais complicações. Não é apenas o tempo maior que se gasta, mas também os impostos pagos, as compras que aumentam, as taxas que se acumulam, as faturas de cartão de crédito que se duplicam, os gastos que aumentam e dificultam o controle. Ganhar e complicar é uma dupla complementar difícil de separar.

Dinheiro é felicidade?

Bens materiais ou bens ostentáveis

Em países capitalistas, os bens materiais se transformam em bens ostentáveis. Por exemplo, uma casa impressionante, um carro de luxo, roupas de marca (que destacam o símbolo da marca) porque são sinônimos de peças caras. Bens que são adquiridos para mostrar status. É válido se questionar: para quem precisamos mostrar que somos melhores e que temos mais dinheiro do que a média?

O ditado “Dinheiro não traz felicidade” é uma frase usada para combater a força do mito da importância do dinheiro (o dinheiro como passaporte para a aquisição de bens materiais que revelam uma suposta felicidade).

Vivemos (ou construímos) uma sociedade absolutamente focada no sucesso, cujas variáveis de sucesso são, entre outras, a fama, o reconhecimento social, a profissão ou a carreira, bens materiais, roupas, juventude eterna, etc.

Somos biologicamente seres relacionais que estabelecem vínculos e que buscam ser aceitos e incluídos em grupos. A questão é: com base em quais parâmetros construímos a inclusão e a aceitação? Se um pilar forte está colocado no material com aspirações de ser felizes, estamos nos equivocando gravemente e nos distanciando da direção correta.

O sucesso remete mais ao ‘parecer’ do que ao ‘ser’. Portanto, qualquer bem material pode ser um elemento determinante de reconhecimento.

Nessa atitude, pensa-se mais no que o outro pensa sobre si mesmo do que no próprio bem-estar.  O famoso psicólogo Erich Fromm desenvolveu uma obra completa sobre Ter e Ser. O equívoco focado no sucesso reside em acreditar que “sou com base no que tenho”.

O que não é questionado nessa louca corrida por gerar dinheiro a fim de ter bens materiais e conquistar reconhecimento é que o que não se pode comprar é o tempo, aquele tempo que é usado para produzir o dinheiro a fim de sustentar um prazer idealizado.  Um prazer que não é alcançado porque falta tempo e por causa do ritmo doentio ao qual o ser humano se submete para produzir. Um belo e sádico paradoxo.

Nesse sentido, podemos pensar que uma família de classe média-baixa que tem projetos pode ser muito mais feliz do que um casal abastado. Socialmente, um dos grandes motores da aspiração é o desejo, e a falta de algo é o que faz com que o desejo se instaure. A atitude desejante passa a ser uma grande motivação para levar adiante projetos ou um planejamento que se mova na direção do crescimento. E falo de desejo, não de necessidade.

Embora outros autores falem de necessidade em um sentido biológico (necessito beber água porque tenho sede ou comer porque tenho fome), não deixa de ser verdade que as classes mais pobres têm mais necessidades de funções básicas – necessitam mais do que desejam (mas não significa que não desejem) – como trabalhar, alimentar-se ou ter saúde e educação.

As classes médias (principalmente a média e a média baixa), assim como as classes baixas altas, costumam ser classes desejantes a curto prazo. Elas se preocupam, por exemplo, em trocar o carro que têm por outro em melhor estado, talvez alguns anos mais novo ou com melhor quilometragem, ou pintar a casa, ou ainda fazer um empréstimo para comprar uma casa própria e parar de pagar aluguel. Não são aspirações aparentemente ostentosas, mas são grandes aspirações para essas classes sociais. No entanto, comparativamente, para as classes sociais mais elevadas estas são metas que não têm muito valor.

A felicidade de um casal

Fama, beleza e dinheiro: bad destiny

Como podemos ver, a felicidade é um conceito absolutamente subjetivo: cada sociocultura, cada contexto de cada sociocultura, cada família de um contexto de uma sociocultura e cada indivíduo de cada família vai elaborar seu próprio conceito de felicidade.

Quanto mais elevada for a classe social, maior é o nível de foco no sucesso e, com isso, maior a banalidade. Quando se tem o poder econômico, se suprime o desejo, se perde naturalmente a aspiração porque não há luta para obter. Além disso, a atenção se foca no reconhecimento do ambiente, anulando-se os valores pessoais. Assim, observa-se nos bairros “chiques” das cidades que as pessoas estabelecem uma competição tácita pela melhor mansão (sim, mansão, não casa) ou o carro que revela um maior poder aquisitivo.

Um bom exemplo são as estrelas de Hollywood que alcançaram a fama, a beleza e a fortuna e acabam em tratamentos para seus vícios ou suas depressões graves, patologias que surgiram quando se tornaram famosos e milionários. Exatamente porque se tornaram milionários, não ricos, ou seja, conseguiram conquistar muito dinheiro, mas deixaram de lado o mundo afetivo.

Isso já foi demonstrado na pesquisa longitudinal mais extensa do mundo (que tem 80 anos) sobre felicidade da Universidade de Harvard, na qual foi utilizada uma amostragem de 3.000 pessoas que foram estudadas e acompanhadas durante a vida. A conclusão à qual chegaram foi de que os vínculos afetivos formados com mães, pais, parceiros, filhos e amigos são o que proporcionam a verdadeira felicidade. Não o dinheiro.

Se há um grande foco na fama e no dinheiro, indefectivelmente o mundo afetivo é despedaçado, já que perde o valor de relevância que deveria ter. Além disso, quando se chega ao auge da fortuna, da fama e da beleza, onde fica o desejo?

Se o motor de aspiração e do projeto é a motivação que produz o desejo e este é criado a partir da falta, se eu não tiver essa falta, perco o desejo e alguém que perde o desejo perde o eixo de sua existência e, com isso, vem a catástrofe.

A catástrofe é um mundo de vícios, como o álcool e a droga, a depressão e o suicídio, que são inseridos no lugar da falta. E digo exatamente na falta, porque essas pessoas não são desejadoras: elas acham que não lhes falta nada. No entanto, lhes faltam os afetos verdadeiros, não os luxos do sucesso, mas o verdadeiro amor da amizade sincera, do(a) parceiro(a) ou da família.

Elas estão sozinhas no sentido negativo do termo, como sinônimo de abandono e marginalização dos afetos verdadeiros. Elas se preocupam tanto em serem reconhecidas que receberam o afeto banal e interesseiro, e não o profundo e desinteressado.

Livros como Pai Rico, Pai Pobre ou O Segredo, que propõem como meta principal na vida ser milionário, são textos que se tornaram best-sellers porque direcionam suas teorias ao epicentro do foco no sucesso.

Esse tipo de livro direciona seus mísseis ao ideário popular do dinheiro, como felicidade, reconhecimento e status social. Buscam delimitar ações guiadas a produzir e concretizar o imaginário da maioria das pessoas. É inegável que seus autores são congruentes com suas ações. Não deixam de ser coerentes com o que pregam: esses livros trouxeram riquezas para seus autores, provavelmente pelos direitos autorais dos milhões de exemplares vendidos, e mudaram suas vidas, deixando-os famosos.

A essa altura do meu desenvolvimento, devo esclarecer que não me oponho à fama. Eu me oponho ao mau uso da fama: todos nós gostamos de ser reconhecidos e valorizados, mas é outra coisa depender disso e fazer com que isso se constitua uma aspiração na vida. É um objetivo paupérrimo.

Ser feliz vai muito além, é uma filosofia de vida, é saber que existe um lado bom da vida apesar da catástrofe e que sempre existem pessoas afetivamente próximas com quem podemos compartilhar um eu te amo, entendendo que o amor também é um componente profundo da felicidade.


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