O uso de maconha medicinal para a dor crônica é seguro?

Nos últimos anos, uma ampla variedade de estudos se concentrou em examinar os efeitos da maconha medicinal em pacientes com dor crônica.
O uso de maconha medicinal para a dor crônica é seguro?
Franciele Rohor de Souza

Revisado e aprovado por a farmacêutica Franciele Rohor de Souza.

Última atualização: 23 agosto, 2022

O tratamento da dor crônica tornou-se um dos grandes desafios da medicina atual. Por sua natureza e origem multifatoriais, é uma experiência complexa que pode ser induzida por fatores orgânicos, emocionais e ambientais. É verdade que a maconha medicinal pode ajudar a aliviar a dor crônica? Seu uso é seguro nesses casos?

Há muita controvérsia em relação a essa opção terapêutica. Conforme explicado em uma revisão publicada no Rambam Maimonides Medical Journal, apesar da sua grande demanda no mercado, as evidências sobre a sua segurança e eficácia no tratamento da dor ainda não são conclusivas. A seguir, discutimos seus possíveis benefícios e efeitos colaterais.

Como a maconha medicinal funciona contra a dor crônica?

Para começar, deve-se lembrar que a maconha costuma ser obtida das espécies de plantas Cannabis indica e Cannabis sativa. Por sua vez, possui três componentes principais, que incluem canabinóides, terpenóides e flavonóides. Destes, dois tipos de canabinóides se destacam por seus efeitos no organismo: o tetrahidrocanabional (THC) e o canabidiol (CBD) .

O THC é a substância que mais chama a atenção pelos seus efeitos psicoativos. Seu consumo estimula os receptores canabinóides do cérebro, o que ativa o sistema de recompensa e leva a um estado de euforia. Por sua vez, o CBD é um composto não psicoativo que tem sido investigado pela sua interação com os receptores de dor no cérebro e a sua ação anti-inflamatória.

Embora ambas as substâncias tenham demonstrado potencial analgésico, o CBD foi proposto como um agente farmacêutico promissor contra a dor crônica e outras condições, uma vez que não causa os efeitos psicoativos do THC. Mesmo assim, não deixa de causar efeitos colaterais, que devem ser levados em consideração antes de usá-lo como tratamento.

Mecanismo de ação do CBD

De acordo com pesquisas compartilhadas na Frontiers in Pharmacology, o canabidiol (CBD) tem efeitos analgésicos, anti-inflamatórios, anticonvulsivantes e ansiolíticos significativos. Embora a compreensão do seu mecanismo de ação no manejo da dor crônica continue sendo objeto de pesquisas, estudos (principalmente em animais) tentaram explicá-lo.

De acordo com as hipóteses, o CBD atua modulando os sistemas endocanabinoide, inflamatório e nociceptivo (sensor de dor). O primeiro possui receptores canabinóides que interagem com os canabinóides naturais do corpo. Dessa forma, não intervém apenas na percepção da dor, mas em outras funções, como humor, metabolismo e apetite.

Neurônios com receptores endocanabinóides
A presença de receptores específicos nos neurônios explica o efeito dessas substâncias associadas à maconha.

Pesquisa sobre a maconha medicinal e a dor crônica

A pesquisa focada no uso da maconha medicinal para a dor crônica produziu resultados conflitantes. Um relatório compartilhado na Agência Canadense para Drogas e Tecnologias em Saúde observa que, embora haja evidências dos efeitos positivos dos medicamentos à base de cannabis no alívio da dor neuropática, seus riscos precisam ser considerados.

Uma pesquisa usou partes da planta ou a planta inteira para avaliar seus efeitos analgésicos. Alguns se concentraram em derivados como o óleo CBD, enquanto outros descobriram que o uso de toda a planta causa um efeito no qual todos os componentes trabalham juntos para potencializar a sua ação.

Em relação a isso, uma revisão publicada pela revista médica JAMA determinou que o uso da maconha e seus canabinoides atua positivamente no alívio de alguns tipos de dores crônicas, como a neuropatia.

Por sua vez, uma pesquisa do The Journal of Pain observou que o uso de maconha medicinal contra a dor causada pelo câncer ajudou a reduzir a indicação de opioides em 64%. Foi, ainda, associado a uma melhor qualidade de vida e à diminuição dos efeitos colaterais dos medicamentos usados contra a doença.

Estudos menores, como o publicado na Pharmacotherapy , concluíram que a frequência das enxaquecas diminuía com o consumo das apresentações medicinais da planta. Mesmo assim, efeitos adversos foram relatados e a necessidade de mais estudos foi levantada.

É seguro usar tratamentos medicinais com cannabis?

Apesar das descobertas promissoras sobre a maconha medicinal e a dor crônica, ainda não há evidências suficientes para dizer que ela é eficaz. Devido à proibição da planta na maioria dos países, os estudos em humanos são limitados. Somado a isso, a pesquisa até o momento não descarta riscos potenciais à saúde.

Possíveis efeitos colaterais

Usar maconha medicinal sem supervisão profissional aumenta o risco de efeitos colaterais. É fundamental considerar que existem certas populações mais vulneráveis a reações indesejadas. Portanto, é um tratamento que deve levar em consideração todas as características da pessoa (idade, estado de saúde, histórico clínico).

Os sintomas secundários incluem o seguinte:

  • Dependência e vício.
  • Problemas respiratórios.
  • Tontura.
  • Tempos de reação prejudicados.
  • Interações medicamentosas.
  • Perda de concentração e comprometimento da memória.
  • Problemas de saúde mental.
  • Perturbações da frequência cardíaca.
  • Sintomas de abstinência

Isso é algo que preocupa pesquisadores e profissionais da saúde, principalmente devido à grande demanda que a cannabis tem tido nos últimos anos. A necessidade de um tratamento alternativo e eficaz, aliada ao grande número de propagandas sobre os “efeitos mágicos do CBD”, têm levado ao uso excessivo nem sempre indicado para os pacientes.

Na verdade, muitos não sabem que o uso farmacêutico de cannabis só é aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para duas condições. Isso inclui o Epidiolex ®, uma forma purificada de CBD usada para tratar formas raras e graves de epilepsia, cujas convulsões não são controladas por outros medicamentos.

Também há medicamentos que contêm canabinóides sintéticos de THC, chamados dronabinol (Marinol ®) e nabilona (Cesamet ®), usados para diminuir a náusea em pacientes com câncer ou para aumentar o apetite em pessoas com HIV.

Portanto, não existem tratamentos de maconha medicinal para a dor crônica?

Na verdade, existem. Apesar da falta de estudos de alta qualidade sobre os efeitos da cannabis contra a dor crônica, alguns tratamentos foram desenvolvidos para certos tipos de dor. Por exemplo, existe uma droga botânica chamada nabiximols, sob a marca Sativex ®, que contém uma proporção de 1:1 de THC e CBD.

Ela foi aprovada pela Health Canada para aliviar certos tipos de dor, como dor neuropática central na esclerose múltipla e no câncer que não melhora com opioides.

Alguns produtos de cannabis não são regulamentados

Tanto online quanto nas lojas de alimentos naturais há uma grande variedade de produtos que afirmam ter CBD ou formas combinadas de cannabis entre seus componentes. No entanto, o FDA alerta que algumas empresas que comercializam esses medicamentos alegam possuir níveis de CBD que não correspondem à realidade. Nesse sentido, é conveniente adquiri-los de marcas e sites confiáveis.

Cannabis para dores crônicas
Várias lojas vendem gotas que possuem uma certa concentração de cannabis. No entanto, muitas vezes não é possível saber a dose real que elas contêm.

Existe o risco de interações

Além dos riscos mencionados, é preciso ter em mente que os produtos à base de maconha medicinal podem ter interações com certos medicamentos, o que altera seus níveis no sangue, bem como seus efeitos. Os mais importantes são os seguintes:

Além disso, devemos ter cuidado com o seu uso em públicos com condições especiais, como mulheres grávidas ou lactantes, crianças, idosos e pessoas imunodeprimidas.

O que devemos lembrar sobre a maconha medicinal para aliviar a dor crônica?

Das muitas propriedades atribuídas à maconha medicinal, o alívio da dor crônica é um dos mais impressionantes. No entanto, a evidência que apóia esses efeitos é limitada e tem resultados controversos.

Portanto, antes de considerar o uso desses produtos, é necessário avaliar seus riscos e consultar um médico para definir uma dose de acordo com as características individuais. Além disso, deve ficar claro que este não é o tratamento de primeira escolha nem deve ser a única opção para lidar com a dor.


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