Carne de cação e atum podem ter níveis de metais pesados maiores que o recomendado
Cada dia mais presentes na mesa do brasileiro, o cação e o atum são fonte de sabor e nutrientes. No entanto, nas últimas décadas, uma das maiores preocupações em relação aos peixes tem sido seus níveis de poluentes e metais potencialmente prejudiciais à saúde.
O receio em relação ao mercúrio e outros poluentes devem limitar o consumo de algumas espécies. Para a população em geral, essas carnes não precisam ser totalmente descartadas, mas devem aparecer com menos frequência nos pratos.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), por meio da resolução nº 42, de 29 de agosto de 2013, define o limite de contaminantes que podem ser encontrados nesses alimentos.
Alguns exemplos são:
- Arsênio: 1 mg/kg
- Chumbo: 0,30 mg/kg
- Cádmio: 0,05 mg/kg
- Mercúrio: peixes predadores 1 mg/kg ou peixe 0,5 mg/kg
Porém, um estudo divulgado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em setembro de 2022 descobriu que as raias do litoral fluminense (Rio de Janeiro) tinham altos níveis de arsênio.
Carne de cação e atum devem ser consumidas com moderação
Cação é o nome atribuído a pequenos tubarões de várias espécies. Cação-anjo, cação-machote e cação-mangona estão entre os mais comuns. É um peixe encontrado em todo o litoral brasileiro e muito apreciado em moquecas e cozidos.
Os peixes chamados de atum são do gênero Thunnus. São grandes predadores e alguns ultrapassam 200 quilos. Estão distribuídos por todos os oceanos, especialmente nas águas mais frias. Sua carne escura e gordurosa faz sucesso no sashimi e na grelha. Também há a versão em lata.
O tubarão e o atum são predadores classificados como topo de cadeia, ou seja, estão nos níveis mais altos da cadeia alimentar. Isso significa que eles se alimentam de outros peixes que já comeram peixes menores e assim sucessivamente.
“Tem toda essa questão da cadeia ecológica em que um vai se alimentando do outro, só que como o tubarão está no topo, ele vai acumulando todos esses poluentes, esses metais pesados que já passaram por toda a cadeia. Nós os chamamos de bioacumuladores [porque], literalmente, acumulam todos esses metais pesados que já passaram pelo corpo dos animais que eles ingeriram”, explica Amanda Gomes, doutoranda em oceanografia e integrante do canal Zoomundo no YouTube.
O ambiente também favorece esse acúmulo, já que os mares e rios estão cada vez mais poluídos com dejetos e metais pesados. Essa situação se torna danosa ao ser humano por um simples motivo: nós também somos bioacumuladores.
“Alguns tubarões acumulam mais metais pesados do que os atuns, pois se alimentam de um número maior de presas, e presas grandes, como focas, que também se alimentam de peixes. Então o acúmulo de metais pesados vai se somando”, relata Amanda.
Ela acrescenta: “Se uma pessoa vai se alimentar de muitos animais marinhos ou, principalmente, de cação, vai acumulando isso no seu corpo também”.
Alguns estudos mostram o alto teor de contaminação
Em 20 raias-manteiga os cientistas encontraram, em média, 15 mg/kg. Uma das amostras chegou a apresentar 79 mg/kg — quase 80 vezes acima do limite permitido.
Em 2014, pesquisadores já haviam analisado amostras do tecido muscular de 27 tubarões-azuis capturados no oceano Atlântico (costa sul e sudeste do Brasil) e constataram que as concentrações de mercúrio variavam de 0,44 a 2,37 mg/kg.
“Especificamente, o acúmulo do mercúrio no nosso corpo pode causar danos, por exemplo, neurológicos: problema de raciocínio, de memória, tremores, dor de cabeça e pode [até] fazer o rim parar. Pode, dependendo da forma como acontece, dar até acometimento pulmonar”, diz a infectologista Mirian Dal Ben, do Hospital Sírio-Libanês.
Em razão disso, é uma recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) que a carne de cação, por exemplo, não faça parte do cardápio de grávidas, lactantes e crianças (até 12 anos).
“A gravidez, a amamentação e a primeira infância são fases muito cruciais de desenvolvimento do sistema nervoso, em que os metais pesados podem agir e causar algum dano”, complementa Amanda Gomes.
Legislação
Para Amanda e Mirian, uma forma de evitar que a carne de cação e atum sejam vendidos com grandes proporções de metais pesados é ter uma legislação e vigilância mais rigorosas.
“Precisaria, primeiro, ter uma legislação de acesso à informação, para realmente sabermos a procedência, de onde veio e o que é aquilo. E depois, de repente, a Anvisa [pode] certificar as empresas que estão distribuindo [essas carnes] e exigir que se façam essas medidas de quantidade”, diz a doutoranda.
Um estudo conduzido por pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em 2018, investigou a presença da carne de cação em mercados da região sul do Brasil.
Eles encontraram 63 produtos vendidos como cação, que correspondiam a 20 espécies diferentes. Entre essas, havia duas espécies de teleósteos — que não são tubarão nem raia.
Por isso é importante atentar à procedência e qualidade da peixaria em que esses produtos são comercializados.
Ameaça de extinção
Os tubarões, em especial, ainda são uma espécie em extinção. De acordo com uma pesquisa publicada na revista científica Current Biology em 2021, em escala global, 32,6% dos tubarões estão ameaçados de extinção, o equivalente a 391 espécies.
“Esse problema ambiental é gigantesco”, alerta Amanda. Isso também se reflete no controle da fauna marinha.
“Os tubarões estão no topo, eles controlam a quantidade das suas presas e, geralmente, se alimentam também de presas que estão doentes e de animais que poderiam se tornar pragas. Se eles começam a desaparecer, muitas de suas presas podem se tornar pragas, se proliferar além da conta e acabar prejudicando outras espécies”, explica a doutoranda.
Por essas e outras razões o consumo consciente é importante. A carne de cação não deixará de ser vendida, mas os consumidores podem fazer escolhas diferentes.
Segundo a Dra Mirian Dal Ben, “Os peixes são uma fonte de alimentação extremamente importante. Sabemos que idealmente uma dieta saudável deve ter peixe, pelo menos, duas ou três vezes na semana, para você conseguir ter fontes de ômega 3 e uma série de nutrientes que estão presentes nesse tipo de alimento”.
Uma outra opção é escolher peixes que são menos bioacumuladores, ou seja, que estão fora do topo da pirâmide alimentar. Dois bons exemplos são o salmão e a tilápia.
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