"Larguei o convento e me descobri um homem trans"
Túlio Asbahr, 37 anos, viveu no convento por cinco anos antes de se descobrir um homem trans. Sua infância foi o que pode ser considerada normal, mas sempre teve dificuldade de se reconhecer no gênero que nasceu.
Ele não conviveu na sua infância com pessoas que fossem transexuais ou homossexuais, então isso era um tabu na sua família. Nascido em Limeira (SP), ele passou a infância e a adolescência frequentando a igreja e, quando alcançou a maioridade, decidiu que seria freira.
Nessa idade, ele já tinha dificuldade para namorar e não se sentia atraído por meninos. Por isso, começou a achar que tinha vocação para a vida religiosa. “Nunca tive familiares que seguiram a vida religiosa como freira ou padre, mas achei que realmente era minha vocação”.
“Meus pais não concordavam, achavam que não era para mim. Eles queriam que eu terminasse os estudos. Mas, quando completei a maioridade, como não precisava de autorização, eu fui”.
Vida religiosa
“Fui para o Instituto de Vida Consagrada, onde fiquei por cinco anos. Passamos por etapas de formação e, no primeiro ano, percebi que tinha dificuldades nas relações de afetividade porque tinha contato com muitas mulheres o dia inteiro.
Vivíamos em comunidade só com mulheres. Às vezes, uma amizade, uma intimidade grande com alguém ia aflorando algumas coisas. Estávamos no início da juventude, com hormônios à flor da pele.
Era muito difícil, tudo era novo. Queria estar perto, mas ao mesmo tempo não podia. Tinha de negar de todas as formas. Tinha de lidar como tentação, pecado. De missão em missão, convivia com isso. Foram cinco anos nesse dilema. Conhecia alguém de quem eu virava amiga e me apaixonava. Era um tabu e não falávamos abertamente sobre isso.
Arrastei a situação até o noviciado, última etapa da consagração. Então, me relacionei com uma noviça e foi a gota d’água. No dia da despedida, conversei com ela. Lembro muito bem da cena. Estávamos no banheiro e tinha irmãs vigiando a gente. Foi um caos, um barraco. Depois daquilo, percebi que o convento não era para mim. Disse que ia embora”.
A volta pra casa
Apesar de ter saído do convento, ele não se assumiu logo de cara como mulher lésbica. Demorou de quatro a cinco anos para estar realmente bem consigo mesmo. Quando começou a conviver com pessoas parecidas com ele, entendeu um pouco melhor e se aceitou.
“Depois que me aceitei, decidi entrar nos aplicativos de relacionamento para conhecer mulheres. Foi assim que conheci minha ex-namorada. Os pais dela não aceitavam nosso relacionamento e os meus concordavam desde que eu não falasse sobre isso para outras pessoas.
Acho que ganhei confiança para assumir minha identidade como mulher lésbica por causa do conhecimento. Comecei a conhecer mais pessoas, sair um pouco daquela bolha e expandir horizontes. Fui estudar, fazer faculdade e abri a mente. Esse contato com um mundo diferente começou a me encorajar para realmente me aceitar.
Namorei minha ex-namorada por quatro anos. Ainda tinha dificuldade de mostrar para o mundo como eu realmente era. Na época, era uma menina padrão, tinha dificuldade de comprar roupa, não conseguia. Tudo o que eu tinha era presente dos outros. Não me identificava”.
Virada de chave
“A virada de chave para me reconhecer como homem trans foi quando conheci minha atual esposa. Ela sempre foi muito bem resolvida, e a avó dela é casada há mais de 20 anos com outra mulher. Isso pra mim começou a se naturalizar e essa representatividade na família dela foi muito importante pra mim.
Ela [a atual esposa] cresceu frequentando a Parada LGBTQIA+ e sempre se reconheceu como mulher bissexual, sem muitos dilemas.
Quando começamos a sair, mergulhei mais nesses temas. Um dia, decidi cortar o cabelo e ela falou: ‘Corta, vai ficar bonito’. Comecei a ter outro visual, mais masculino”.
Depois da transição, Túlio se entendeu como um homem trans bissexual
“Eu dizia que, se fosse mais novo, gostaria de fazer a transição. E ela me dizia que não tinha idade para isso. Comecei a conhecer mais pessoas, a me questionar e realmente me entender. Então, comecei a fazer a transição aos 33 anos, em 2021″.
Quando passou a tomar hormônio, as coisas começaram a mudar e ele entendeu muita coisa. Não adiantava lutar contra, pois ele se identificava com isso.
Sempre teve disforia nos peitos, por exemplo, e não entendia o que acontecia. Eles eram lindos, mas não queria mostrá-los a ninguém. Com o apoio da companheira, fez a mastectomia.
“A transição é um processo: tomo hormônio de três em três meses e sempre estou me descobrindo mais. Quando comecei a tomá-los, aconteceu uma coisa que me ‘bugou’. Passei a sentir atração por homens e uma coisa fez sentido: não é que não gostava deles, eu não me identificava com quem eu era e, por isso, não conseguia me relacionar.
Meu pensamento mudou muito quando comecei a transição. Decidi que viveria tudo o que tinha para viver, que me permitiria mais. Hoje, me considero um homem bissexual e saio com homens e mulheres. Sou casado, mas abrimos a relação”.
Vida nova
Túlio nunca mais teve contato com o pessoal do convento. “Tudo o que passei foi importante porque foi como construí minha história e me descobri. Mas poderia ter sido menos sofrido, se eu tivesse mais representatividade e mais contato com pessoas como eu durante a vida.
O pior de tudo é não se aceitar. E por que a gente não se aceita? Enquanto não normalizarmos as pessoas e suas identidades, a gente não vai ter representatividade, o que é muito importante. Foi maravilhoso me reconhecer, me olhar pela primeira vez e me ver assim”.
Túlio Asbahr, 37 anos, viveu no convento por cinco anos antes de se descobrir um homem trans. Sua infância foi o que pode ser considerada normal, mas sempre teve dificuldade de se reconhecer no gênero que nasceu.
Ele não conviveu na sua infância com pessoas que fossem transexuais ou homossexuais, então isso era um tabu na sua família. Nascido em Limeira (SP), ele passou a infância e a adolescência frequentando a igreja e, quando alcançou a maioridade, decidiu que seria freira.
Nessa idade, ele já tinha dificuldade para namorar e não se sentia atraído por meninos. Por isso, começou a achar que tinha vocação para a vida religiosa. “Nunca tive familiares que seguiram a vida religiosa como freira ou padre, mas achei que realmente era minha vocação”.
“Meus pais não concordavam, achavam que não era para mim. Eles queriam que eu terminasse os estudos. Mas, quando completei a maioridade, como não precisava de autorização, eu fui”.
Vida religiosa
“Fui para o Instituto de Vida Consagrada, onde fiquei por cinco anos. Passamos por etapas de formação e, no primeiro ano, percebi que tinha dificuldades nas relações de afetividade porque tinha contato com muitas mulheres o dia inteiro.
Vivíamos em comunidade só com mulheres. Às vezes, uma amizade, uma intimidade grande com alguém ia aflorando algumas coisas. Estávamos no início da juventude, com hormônios à flor da pele.
Era muito difícil, tudo era novo. Queria estar perto, mas ao mesmo tempo não podia. Tinha de negar de todas as formas. Tinha de lidar como tentação, pecado. De missão em missão, convivia com isso. Foram cinco anos nesse dilema. Conhecia alguém de quem eu virava amiga e me apaixonava. Era um tabu e não falávamos abertamente sobre isso.
Arrastei a situação até o noviciado, última etapa da consagração. Então, me relacionei com uma noviça e foi a gota d’água. No dia da despedida, conversei com ela. Lembro muito bem da cena. Estávamos no banheiro e tinha irmãs vigiando a gente. Foi um caos, um barraco. Depois daquilo, percebi que o convento não era para mim. Disse que ia embora”.
A volta pra casa
Apesar de ter saído do convento, ele não se assumiu logo de cara como mulher lésbica. Demorou de quatro a cinco anos para estar realmente bem consigo mesmo. Quando começou a conviver com pessoas parecidas com ele, entendeu um pouco melhor e se aceitou.
“Depois que me aceitei, decidi entrar nos aplicativos de relacionamento para conhecer mulheres. Foi assim que conheci minha ex-namorada. Os pais dela não aceitavam nosso relacionamento e os meus concordavam desde que eu não falasse sobre isso para outras pessoas.
Acho que ganhei confiança para assumir minha identidade como mulher lésbica por causa do conhecimento. Comecei a conhecer mais pessoas, sair um pouco daquela bolha e expandir horizontes. Fui estudar, fazer faculdade e abri a mente. Esse contato com um mundo diferente começou a me encorajar para realmente me aceitar.
Namorei minha ex-namorada por quatro anos. Ainda tinha dificuldade de mostrar para o mundo como eu realmente era. Na época, era uma menina padrão, tinha dificuldade de comprar roupa, não conseguia. Tudo o que eu tinha era presente dos outros. Não me identificava”.
Virada de chave
“A virada de chave para me reconhecer como homem trans foi quando conheci minha atual esposa. Ela sempre foi muito bem resolvida, e a avó dela é casada há mais de 20 anos com outra mulher. Isso pra mim começou a se naturalizar e essa representatividade na família dela foi muito importante pra mim.
Ela [a atual esposa] cresceu frequentando a Parada LGBTQIA+ e sempre se reconheceu como mulher bissexual, sem muitos dilemas.
Quando começamos a sair, mergulhei mais nesses temas. Um dia, decidi cortar o cabelo e ela falou: ‘Corta, vai ficar bonito’. Comecei a ter outro visual, mais masculino”.
Depois da transição, Túlio se entendeu como um homem trans bissexual
“Eu dizia que, se fosse mais novo, gostaria de fazer a transição. E ela me dizia que não tinha idade para isso. Comecei a conhecer mais pessoas, a me questionar e realmente me entender. Então, comecei a fazer a transição aos 33 anos, em 2021″.
Quando passou a tomar hormônio, as coisas começaram a mudar e ele entendeu muita coisa. Não adiantava lutar contra, pois ele se identificava com isso.
Sempre teve disforia nos peitos, por exemplo, e não entendia o que acontecia. Eles eram lindos, mas não queria mostrá-los a ninguém. Com o apoio da companheira, fez a mastectomia.
“A transição é um processo: tomo hormônio de três em três meses e sempre estou me descobrindo mais. Quando comecei a tomá-los, aconteceu uma coisa que me ‘bugou’. Passei a sentir atração por homens e uma coisa fez sentido: não é que não gostava deles, eu não me identificava com quem eu era e, por isso, não conseguia me relacionar.
Meu pensamento mudou muito quando comecei a transição. Decidi que viveria tudo o que tinha para viver, que me permitiria mais. Hoje, me considero um homem bissexual e saio com homens e mulheres. Sou casado, mas abrimos a relação”.
Vida nova
Túlio nunca mais teve contato com o pessoal do convento. “Tudo o que passei foi importante porque foi como construí minha história e me descobri. Mas poderia ter sido menos sofrido, se eu tivesse mais representatividade e mais contato com pessoas como eu durante a vida.
O pior de tudo é não se aceitar. E por que a gente não se aceita? Enquanto não normalizarmos as pessoas e suas identidades, a gente não vai ter representatividade, o que é muito importante. Foi maravilhoso me reconhecer, me olhar pela primeira vez e me ver assim”.
Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.